‘AS SENSIBILIDADES DE ROSA E RANCIÈRE COMBINAM,
ASSIM COMO AS DE CLARICE E DIDI-HUBERMAN’
Convidado Eduardo Jorge de Oliveira
Em entrevista para o Blog da Relicário, o poeta e tradutor Eduardo Jorge de Oliveira comenta os territórios geográficos e literários que percorre em companhia dos livros. Com camadas e interesses diversos, Eduardo – que também é ensaísta e professor – enxerga no ato de ler e no locus da leitura a chave para o surpreendente e para a possibilidade de troca. Não à toa, isso o liga às duplas Clarice Lispector-Didi-Huberman e Guimarães Rosa-Rancière, sobre os quais promoveu uma recente conferência na Universidade de Zurique, onde leciona.
Nos dias 3 e 4 de fevereiro, às 19h, haverá oCiclo Desdobramentos da Crítica Literária, em parceria com a Livraria da Travessa e a Revista Caju.Na ocasião, Eduardo Jorge conversa ao vivo no YouTube da Travessa com Veronica Stigger, em 3 de fevereiro, para falar de “A vertical das emoções: As crônicas de Clarice Lispector”. No dia 4, é a vez de “João Guimarães Rosa: A ficção à beira do nada”, em que Eduardo participa junto com Inês Oseki-Dépré e Pedro Hussak. O evento é gratuito, basta acessar este link.
Por Michelle Strzoda
Poeta, tradutor, ensaísta, professor… De Fortaleza a Zurique, da poesia ao ensaio, você percorre territórios geográficos e literários tanto no meio acadêmico como através dos livros.Uma pessoa com camadas e interesses. O que mais lhe dá prazer na vida e no trabalho?
Eduardo Jorge de Oliveira: O prazer vem da possibilidade de manipular signos, de dar corpo à palavra e, em certa medida, colaborar com a criação e transmissão de textos. Nesse sentido, todas essas atividades mencionadas são complementares e, no meu caso, até mesmo inseparáveis.
A vida é feita de escolhas e oportunidades. Como foi começar a escrever e a publicar? E a organizar eventos literários? Algum episódio marcante?
EJO: E também de renúncias. A vontade de escrever veio a partir da leitura, das idas à biblioteca municipal, dos livros que circulavam em bancas de revista: sejam clássicos ou textos filosóficos, sebos e livrarias. De modo que o livro é um ator. Nas tentativas de entender o processo tão rico e complexo que chega a ser um objeto simples, o livro, surgiu a vontade de escrever. Sobre eventos, também surgiram a partir de um movimento de expansão da leitura. Começaram em espaços culturais e em espaços abertos da cidade, Fortaleza, feito em grupo, com outros amigos-leitores. Há vários episódios, mas destacaria esse momento, em Fortaleza, com esses amigos, cada um com uma formação bem diferente, mas que tais diferenças somavam. Depois, veio a pausa necessária, em Belo Horizonte, onde pude parar tudo apenas para voltar a ler. Funciono assim, com a necessidade de momentos de pausa, que pode ser um, dois ou mais anos, apenas para ler.
Essa conferência na Universidade de Zurique que originou os dois livros que acabam de ser publicados na Relicário reúne duas duplas:inquietantes filósofos e críticos franco-argelinos & escritores do cânone brasileiro, talvez os dois mais aclamados escritores contemporâneos em nosso país. Mesclando e internacionalizando as duplas, temos Clarice-Didi-Huberman e Rosa-Rancière. Sendo nomes tão conhecidos da crítica, qual aspecto central você destacaria sobre Clarice-Didi e Rosa-Rancière, com base nas conferências/livros publicados, o que mais o surpreendeu?
EJO: Retorno à cena da leitura. Desta vez na Biblioteca Nacional da França, onde existe uma comunidade de leitores, entre eles, Rancière e Didi-Huberman. Era comum vê-los em uma das salas a tomar notas ou a ler. Essa força comum, da prática de leitura, simultaneamente, individual e coletiva, me surpreende ainda. Ler e tomar notas num lugar público, a biblioteca, não implica escrever um livro, mas faz parte de uma cena que me agrada nesta comunidade de leitores. As sensibilidades de João Guimarães Rosa e Rancière combinam, assim como as de Clarice e Didi-Huberman, não apenas pelos autores em si, mas por tudo o que está nas bordas dessas relações. Talvez alguém que busque uma nova e brilhante chave de interpretação de autores amplamente estudados e muito bem analisados no Brasil se decepcionem. Rancière e Didi-Huberman não fazem crítica literária no sentido mais restrito, mas a perspectiva do risco e do ensaio, no plano filosófico, é surpreendente. Nesse sentido, cabe contextualizar que tanto Rancière quanto Didi-Huberman apresentaram a conferência no ambiente da Universidade de Zurique, e a proposta foi chamar a atenção para autores fundamentais da literatura brasileira no contexto não brasileiro. De fato, várias pessoas foram ouvi-los e foi surpreendente a recepção às obras de Rosa e Clarice por muita gente que provavelmente não iria a conferências sobre especialistas das obras dos respectivos autores. Isso foi o que mais me surpreendeu nessas leituras. Sou grato aos dois por terem aceitado o convite, assim como à Relicário, por ter publicado os livros.
Qual a principal diferença entre escrever sua própria obra e organizar (para um evento, uma aula, um trabalho…) a obra de outros artistas e escritores?
EJO: Talvez eu deva pontuar que não busco construir uma obra no sentido de plano, de ordem, ou de qualquer outra motivação. Por outro lado, pensar a possibilidade de obra como diálogo, tradução e escuta, isso me interessa. Nisso a energia investida não se reverte propriamente em obra, mas no puro dispêndio daquilo que não vai permanecer ou durar na condição de objeto (livro). Uma aula tem essa força, um curso ou seminário poderia ser um livro, mas fica por ali mesmo, na memória de quem participou. Na possibilidade de troca. Faço isso com filmes, aulas, eventos: sou um leitor diante de uma mesa numa biblioteca. Quando começo a me afastar muito disso paro tudo e volto para a biblioteca.
Numa passagem do seu posfácio em A vertical das emoções, lê-se:
“[…] a forma-livro, a forma-pesquisa, enfim, a escrita acompanha o ritmo das emoções, pois justamente elas se transformarão em pensamentos e ações, configurando ainda formas do desejo. Com a vertical das emoções em Clarice Lispector acontece algo dessa ordem.”
Se tivesse o poder de realizar um único desejo nesse momento, qual seria?
EJO: Esse é o problema do desejo, ele nunca é único e sempre convida à dispersão e à desordem. Não sei se seria capaz de um único desejo.
Eduardo Jorge de Oliveira (Fortaleza, 1978) é autor de San Pedro (2004), Espaçaria (Lumme, 2007), Caderno do estudante de luz (Lumme, 2008), Pá, Pum (com Lucila Vilela, coleção Elixir, 2012), A casa elástica: minisséries (Lumme, 2015) e “A teoria do hotel” (Demônio Negro, 2018). Pela Relicário, publicou Como se fosse a casa: uma correspondência (com Ana Martins Marques, 2017).
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COLUNA GABINETE DE CURIOSIDADES
‘AS SENSIBILIDADES DE ROSA E RANCIÈRE COMBINAM,
ASSIM COMO AS DE CLARICE E DIDI-HUBERMAN’
Convidado Eduardo Jorge de Oliveira
Em entrevista para o Blog da Relicário, o poeta e tradutor Eduardo Jorge de Oliveira comenta os territórios geográficos e literários que percorre em companhia dos livros. Com camadas e interesses diversos, Eduardo – que também é ensaísta e professor – enxerga no ato de ler e no locus da leitura a chave para o surpreendente e para a possibilidade de troca. Não à toa, isso o liga às duplas Clarice Lispector-Didi-Huberman e Guimarães Rosa-Rancière, sobre os quais promoveu uma recente conferência na Universidade de Zurique, onde leciona.
Nos dias 3 e 4 de fevereiro, às 19h, haverá o Ciclo Desdobramentos da Crítica Literária, em parceria com a Livraria da Travessa e a Revista Caju. Na ocasião, Eduardo Jorge conversa ao vivo no YouTube da Travessa com Veronica Stigger, em 3 de fevereiro, para falar de “A vertical das emoções: As crônicas de Clarice Lispector”. No dia 4, é a vez de “João Guimarães Rosa: A ficção à beira do nada”, em que Eduardo participa junto com Inês Oseki-Dépré e Pedro Hussak. O evento é gratuito, basta acessar este link.
Por Michelle Strzoda
Poeta, tradutor, ensaísta, professor… De Fortaleza a Zurique, da poesia ao ensaio, você percorre territórios geográficos e literários tanto no meio acadêmico como através dos livros. Uma pessoa com camadas e interesses. O que mais lhe dá prazer na vida e no trabalho?
Eduardo Jorge de Oliveira: O prazer vem da possibilidade de manipular signos, de dar corpo à palavra e, em certa medida, colaborar com a criação e transmissão de textos. Nesse sentido, todas essas atividades mencionadas são complementares e, no meu caso, até mesmo inseparáveis.
A vida é feita de escolhas e oportunidades. Como foi começar a escrever e a publicar? E a organizar eventos literários? Algum episódio marcante?
EJO: E também de renúncias. A vontade de escrever veio a partir da leitura, das idas à biblioteca municipal, dos livros que circulavam em bancas de revista: sejam clássicos ou textos filosóficos, sebos e livrarias. De modo que o livro é um ator. Nas tentativas de entender o processo tão rico e complexo que chega a ser um objeto simples, o livro, surgiu a vontade de escrever. Sobre eventos, também surgiram a partir de um movimento de expansão da leitura. Começaram em espaços culturais e em espaços abertos da cidade, Fortaleza, feito em grupo, com outros amigos-leitores. Há vários episódios, mas destacaria esse momento, em Fortaleza, com esses amigos, cada um com uma formação bem diferente, mas que tais diferenças somavam. Depois, veio a pausa necessária, em Belo Horizonte, onde pude parar tudo apenas para voltar a ler. Funciono assim, com a necessidade de momentos de pausa, que pode ser um, dois ou mais anos, apenas para ler.
Essa conferência na Universidade de Zurique que originou os dois livros que acabam de ser publicados na Relicário reúne duas duplas: inquietantes filósofos e críticos franco-argelinos & escritores do cânone brasileiro, talvez os dois mais aclamados escritores contemporâneos em nosso país. Mesclando e internacionalizando as duplas, temos Clarice-Didi-Huberman e Rosa-Rancière. Sendo nomes tão conhecidos da crítica, qual aspecto central você destacaria sobre Clarice-Didi e Rosa-Rancière, com base nas conferências/livros publicados, o que mais o surpreendeu?
EJO: Retorno à cena da leitura. Desta vez na Biblioteca Nacional da França, onde existe uma comunidade de leitores, entre eles, Rancière e Didi-Huberman. Era comum vê-los em uma das salas a tomar notas ou a ler. Essa força comum, da prática de leitura, simultaneamente, individual e coletiva, me surpreende ainda. Ler e tomar notas num lugar público, a biblioteca, não implica escrever um livro, mas faz parte de uma cena que me agrada nesta comunidade de leitores. As sensibilidades de João Guimarães Rosa e Rancière combinam, assim como as de Clarice e Didi-Huberman, não apenas pelos autores em si, mas por tudo o que está nas bordas dessas relações. Talvez alguém que busque uma nova e brilhante chave de interpretação de autores amplamente estudados e muito bem analisados no Brasil se decepcionem. Rancière e Didi-Huberman não fazem crítica literária no sentido mais restrito, mas a perspectiva do risco e do ensaio, no plano filosófico, é surpreendente. Nesse sentido, cabe contextualizar que tanto Rancière quanto Didi-Huberman apresentaram a conferência no ambiente da Universidade de Zurique, e a proposta foi chamar a atenção para autores fundamentais da literatura brasileira no contexto não brasileiro. De fato, várias pessoas foram ouvi-los e foi surpreendente a recepção às obras de Rosa e Clarice por muita gente que provavelmente não iria a conferências sobre especialistas das obras dos respectivos autores. Isso foi o que mais me surpreendeu nessas leituras. Sou grato aos dois por terem aceitado o convite, assim como à Relicário, por ter publicado os livros.
Qual a principal diferença entre escrever sua própria obra e organizar (para um evento, uma aula, um trabalho…) a obra de outros artistas e escritores?
EJO: Talvez eu deva pontuar que não busco construir uma obra no sentido de plano, de ordem, ou de qualquer outra motivação. Por outro lado, pensar a possibilidade de obra como diálogo, tradução e escuta, isso me interessa. Nisso a energia investida não se reverte propriamente em obra, mas no puro dispêndio daquilo que não vai permanecer ou durar na condição de objeto (livro). Uma aula tem essa força, um curso ou seminário poderia ser um livro, mas fica por ali mesmo, na memória de quem participou. Na possibilidade de troca. Faço isso com filmes, aulas, eventos: sou um leitor diante de uma mesa numa biblioteca. Quando começo a me afastar muito disso paro tudo e volto para a biblioteca.
Numa passagem do seu posfácio em A vertical das emoções, lê-se:
“[…] a forma-livro, a forma-pesquisa, enfim, a escrita acompanha o ritmo das emoções, pois justamente elas se transformarão em pensamentos e ações, configurando ainda formas do desejo. Com a vertical das emoções em Clarice Lispector acontece algo dessa ordem.”
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