[Este texto foi escrito pela editora Maíra Nassif, no dia 9 de outubro de 2021, aniversário de 8 anos da Relicário]
Devo dizer que fiquei bem contente pelo aniversário de 8 anos da Relicário cair num sábado. HOJE!
Isso porque posso estar aqui, sentada no sofá, sentindo a brisa desse dia nublado, com o computador no colo, o vazio de demandas ao meu redor, a não ser as dos gatos que pedem atenção, e então consigo pensar com um pouco mais de profundidade sobre o que significam esses 8 anos – e que, sim, parecem infinitos como o número aponta, parecem a minha vida inteira. Contudo, algo já parece ter ficado claro com essa minha alegria pelo sábado, pelo dia inútil, o dia do ócio contrário ao negócio: a impossibilidade de, no dia a dia, conseguir me debruçar sobre o meu fazer com um pouco mais de calma, de tempo e de distanciamento. Pois, na maioria das vezes, me sinto em uma gincana maluca, daquelas em que a gente corre pulando dentro de um saco e com um ovo se equilibrando na colher. E nessa corrida, certas coisas essenciais nos escapam, como a dedicação a certas conversas iniciadas, o retorno mais atencioso a pessoas queridas, o acompanhamento mais detido sobre os acontecimentos do mundo, uma palavrinha pessoal nessa rede sobre cada livro publicado. Com essa atenção difusa, com esse estrabismo mental atrelado às exigências de prazos e calendários, muitas coisas ficam para trás, e espero um dia aceitar com menos peso essa condição. Colocar em prática, sem tanta culpa ou pesar, que, não, não podemos dar conta de tudo. Mas, estamos aqui, nos 8 anos de uma jornada que nunca me pareceu impossível, e que, apesar dos pesares, sempre se mostrou com uma naturalidade imensa, como se eu tivesse chegado ao lugar em que sempre estive. Tenho consciência desse imenso privilégio.
9 de outubro de 2013 foi o nosso début, o evento de lançamento do nosso primeiro livro! Um dia que começou como outro qualquer: acordei cedo para mais uma jornada na editora em que eu trabalhava na época, cumpri as minhas 8 horas diárias e, após o expediente, segui para a Quixote Livraria, Editora e Café (parceira querida desde o início, onde aconteceram quase todos os lançamentos da Relicário em Belo Horizonte), onde aconteceria, às 19h, o lançamento. “Personagens conceituais: filosofia e arte em Deleuze”, do amigo Fernando Torres Pacheco. Me lembro de estar ansiosa com esse início e, ao mesmo tempo, totalmente encaixada, convicta, livre de qualquer “síndrome de impostora”. Sim, era aquilo. Sim, estava acontecendo. E, desde então, muitos livros: no primeiro ano, livros de Estética e filosofia da arte (não por acaso, minha formação) e teoria e crítica literária. No segundo ano, nossa primeira tradução literária, e, nos anos seguintes, uma abertura maior aos gêneros e possibilidades editoriais, embora, é claro, dentro de um escopo bem delineado. Teoria, ensaio, romance e poesia. Alguns inclassificáveis, híbridos. Nacionais e internacionais. Daqui e de lá.
Editar é minha forma de narrar
Desde o início, eu sabia e desejava que a Relicário fosse esse espaço de trânsito entre a crítica e a literatura, entre o pensamento filosófico/analítico e o fazer criativo, com um catálogo preocupado em pensar os fenômenos do mundo e também em dar espaço para a criação livre e desvairada de novos [mundos]. É preciso ancorar e compreender, mas também é preciso voar e ousar imaginar. E, nesses 8 anos e 113 livros publicados, alguns prêmios e reconhecimentos, milhares de leitores e um time de autoras/es queridas/os, consigo me orgulhar desse percurso e repetir novamente o que eu disse ao jornalista Carlos Marcelo, do Estado de Minas, quando ele foi à Casa Relicário nas vésperas de sua abertura e quando tínhamos 6 anos: “Editar é minha forma de narrar”. Quando disse isso, me espantei com a verdade dessa afirmação, algo que me veio como uma epifania ao final da entrevista, já quase me despedindo dele, em pé na porta da casa. Uma ideia que depois encontrei de forma parecida, com muita surpresa, no livro “A marca do editor”, do escritor e editor Roberto Calasso, da ilustre editora italiana Adelphi, em que ele fala da “edição como gênero literário”, ou seja, um editor é também um autor que escreve uma história com os livros que publica em seu catálogo. Um editor é aquele que escreve a “autobiografia” da própria editora. Sim, dois anos após essa constatação, reitero: “editar é minha forma de narrar”.
Mesmo com alguns erros cometidos pelo caminho, alguns tropeços, alguns poucos sins que deveriam ter sido nãos, outros poucos nãos que deveriam ter sido sins, como em toda biografia viva e dinâmica que se preze (pois uma editora é feita por humanos, e não algoritmos, faros que podem ser falíveis, e não certezas absolutas), continuo a trabalhar com a mesma convicção de sempre, acreditando nas linhas traçadas por essa história editorial que vamos escrevendo e que não prevejo fim, mas muito ao contrário: o gesto de editar se firmou por aqui quase como uma obsessão, uma missão, algo de que não posso mais escapar. Sinto que se tornou um vício querer ofertar belezas e provocações em forma de palavras ao mundo. Não há nada mais gratificante do que acompanhar os livros chegando aos seus leitores, ver pessoas sentindo uma alegria genuína ao saber que em breve terão tal livro em suas mãos, ao saber que suas autoras e seus autores preferidos estarão aportando, em breve, na terra firme do nosso catálogo. Como já disse algumas vezes por aí, acho que muitos de nós editores somos um pouco loucos (ou maníacos suaves, como disse Drummond a respeito dos tipógrafos). E muito dessa loucura é sustentada pelo calor da recepção dos livros, por presenciar a paixão de quem vibra do outro lado e agarra com fervor o que lançamos. Pois lançar um livro é muito mais do que publicar um livro. Vejo esse gesto quase como um movimento dinâmico amparado pelas leis da física: lançar um livro é projetar, jogar à frente para que alguém agarre esse projétil, esse projeto, esse objeto complexo. E enquanto houver esse amor correspondido, quem agarre nossos projéteis-livros à frente, estaremos aqui.
A alegria de uma equipe
Mas eu dizia um pouco acima sobre uma história editorial que “vamos escrevendo”. Sim, “vamos”, pois nada disso é realizado solitariamente. No início, talvez um pouco mais, pela falta de recursos, pela necessidade de realizar economias, pelo tempo que ainda consegue ser dividido em várias funções. Por muitos anos, realmente foi assim: eu fazia os contratos com os autores, eu fazia a produção editorial dos livros (encaminhando e acompanhando todas as etapas de revisão, diagramação, arte e registros), a revisão final de provas, o encaminhamento para a impressão, o envio de releases para veículos de comunicação, os contatos e envio dos lançamentos para as várias livrarias (algo que sempre fiz questão desde o início da editora), as notas fiscais de consignação, acertos e vendas, os pacotes para clientes que compravam pelo site, viagens para lançamentos e feiras com malas pesadíssimas cheias de livros. Quantas vezes os braços doendo de tanto carregar caixas pra lá e pra cá. É verdade, devo admitir sem falsa modéstia: fora a revisão, a diagramação e a arte, tudo sempre fui eu. Algo que hoje considero uma loucura, mas que também foi o que permitiu um crescimento saudável, sem saldos negativos, sem atropelos financeiros (talvez um pouco da minha saúde, devo dizer).
Mas, hoje, tenho a alegria de dizer que, sim, existe uma Equipe Relicário, com pessoas queridas, competentes, bem-humoradas, leves, que dividem comigo as alegrias e os percalços desse trabalho, que sempre digo que envolve passado, presente e futuro: os livros que já foram publicados, mas pelos quais devemos continuar trabalhando para que sigam ativos e circulando; os livros que estão em produção e que exigem de nós toda atenção para que cheguem perfeitos aos leitores; e os projetos futuros, que nos exigem pesquisa, avaliação e que, existencialmente, funcionam como uma espécie de gatilho de esperança. De que continuaremos aqui. De que nosso presente se desdobrará em um porvir.
Mas volto à Equipe Relicário, que é a materialidade, o motor e o corpo do nosso próprio trabalho, para além das minhas divagações que podem durar muito: primeiro veio o Patrick Amorim para a área comercial. Estudante de Letras e livreiro da Scriptum por muitos anos, ele entrou como estagiário há 2 anos e meio, e há quase um ano foi contratado como CLT (senti uma alegria imensa quando assinei sua carteira, quando percebi que a Relicário já tinha condições de assegurar direitos e de firmar uma relação trabalhista mais duradoura e benéfica para todas as partes). Ele é quem cuida das relações comerciais da editora, faz as notas fiscais, cuida dos pacotes para livrarias e clientes, mantém a relação com as transportadoras, com os correios, responde e-mails gratos e desaforados. E rimos um bocado de certas coisas com o nosso humor um tanto ferino!
Em seguida, há exatamente um ano, veio a Michelle Strzoda, com sua experiência gigantesca em várias frentes do mercado editorial (que tem formação em jornalismo, em Letras, já foi editora da Record, da Tinta Negra, da Babilonia e de vários outros projetos) e que assumiu por aqui a função de comunicação, projetos especiais e relacionamentos da editora (de onde vocês acham que estão surgindo tantos cursos, parcerias com livrarias, clubes de leitura, blog, lives e repercussões de nossos lançamentos? Talvez pelo Instagram seja possível acompanhar melhor, pois por aqui não consigo postar nem a metade!). A Michelle trouxe uma assertividade carioca à nossa comunicação originalmente mineira e desconfiada! Uma complementação essencial e eloquente de que tanto precisávamos!
Em seguida, em fevereiro, veio a Márcia Romano, o meu braço direito editorial que me desafogou do que já estava começando a acumular nas minhas costas e a atrasar vários processos por aqui: uma assistente editorial com o olhar mais afiado para o texto que já vi! Com formação em jornalismo, passagem pela editora da UFMG, mestrado no curso de edição do CEFET-MG, por aqui ela foi a pessoa encarregada principalmente pela revisão de provas, pelo fechamento dos livros com seus paratextos, pelos registros e pela comunicação final com os autores. Como pude viver tanto tempo sem alguém assumir essa função ao meu lado? O lado triste é que a Márcia foi dar prosseguimento à sua carreira acadêmica e acabou de se despedir de nós. Mas, em seu lugar, entrou agora o Thiago Landi, meu novo assistente, com uma formação super consistente em Letras/Edição pela UFMG e uma larga experiência prática.
E, obviamente, os nomes que estiveram comigo desde o começo, os famosos freela-fixos, quase sempre amigos e amores, as pessoas de confiança nas funções específicas da editoração dos livros: primeiro a Ana C. Bahia, que é literalmente a cara da Relicário. O primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, a maioria dos nossos livros contam com sua assinatura no design e sempre que recebo um elogio para a editora, muitas vezes ele é voltado para esse aspecto: o cuidado gráfico, a elegância das capas, a estética impecável. Tudo culpa dela! E nessa turma do design também preciso agradecer e celebrar Caroline Gischewski (também responsável por várias das belas capas da editora), Paula Albuquerque (pela beleza imensa dos livros da nossa tão amada Coleção Nos.Otras) e Tamires Mazzo, que chegou agorinha com um projeto de nova identidade para as nossas redes sociais e com a identidade da Coleção Marguerite Duras, cujo primeiro livro “Escrever”, acabou de chegar e está causando!
Na revisão dos livros, o meu amor e companheiro Lucas Morais (formado em jornalismo, leitor fervoroso e pós-graduado em revisão de textos pela PUC-MG), Maria Fernanda Moreira, amiga de 2 décadas, graduada e mestra em Letras, revisora sagaz e com experiência de muitos anos com muitas outras editoras. E, claro, nesses 8 anos, muitos outros profissionais também passaram por aqui em trabalhos pontuais, a quem sou infinitamente grata!
Devo dizer também dos tradutores e tradutoras, esses mensageiros responsáveis por trazerem até nós palavras de outros tempos e espaços, fazendo desdobrar e ampliar o nosso mundo! Mariana Sanchez (curadora da Coleção Nos.Otras ao meu lado e com quem estabeleci uma amizade muito especial, não é, nenita!?), Davis Diniz, Paloma Vidal, Adriana Lisboa, Stephanie Borges, Moacir Amâncio, Myriam Ávila, Julián Fuks, Marcelo Jacques de Moraes, Lucienne Gui, Eduardo Jorge, Marcela Vieira, Wladimir Cazé, Rachel Costa, Debora Pazetto, Mariana Lage, Constantino Luz, Ciro Lubliner, Tiago Cfer. E espero não ter esquecido de ninguém (sempre um perigo!). Nomear os autores e as autoras: impossível neste texto que já excede todo limite de espaço e que está ocupando agora toda a minha tarde/início de noite deste sábado! Para estes que são a base da editora, a razão de ser de nossa existência ao confiarem à nossa casa e aos nossos cuidados a morada do seu trabalho, temos uma página própria: https://www.relicarioedicoes.com/autores/
E que venham, pois, mais 8, mais 8 e mais 8 anos, girando a roda dessa biblioteca infinita que está contida como desejo, origem e fim em cada livro publicado!
Sou apenas e imensamente agradecimento!
Maíra Nassif Passos é mineira de Belo Horizonte. Graduada e mestre em Filosofia pela UFMG é editora-fundadora da Relicário desde 2013.
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COLUNA GABINETE DE CURIOSIDADES
NOSSOS 8 ANOS DE LIVROS
por Maíra Nassif
[Este texto foi escrito pela editora Maíra Nassif, no dia 9 de outubro de 2021, aniversário de 8 anos da Relicário]
Devo dizer que fiquei bem contente pelo aniversário de 8 anos da Relicário cair num sábado. HOJE!
Isso porque posso estar aqui, sentada no sofá, sentindo a brisa desse dia nublado, com o computador no colo, o vazio de demandas ao meu redor, a não ser as dos gatos que pedem atenção, e então consigo pensar com um pouco mais de profundidade sobre o que significam esses 8 anos – e que, sim, parecem infinitos como o número aponta, parecem a minha vida inteira. Contudo, algo já parece ter ficado claro com essa minha alegria pelo sábado, pelo dia inútil, o dia do ócio contrário ao negócio: a impossibilidade de, no dia a dia, conseguir me debruçar sobre o meu fazer com um pouco mais de calma, de tempo e de distanciamento. Pois, na maioria das vezes, me sinto em uma gincana maluca, daquelas em que a gente corre pulando dentro de um saco e com um ovo se equilibrando na colher. E nessa corrida, certas coisas essenciais nos escapam, como a dedicação a certas conversas iniciadas, o retorno mais atencioso a pessoas queridas, o acompanhamento mais detido sobre os acontecimentos do mundo, uma palavrinha pessoal nessa rede sobre cada livro publicado. Com essa atenção difusa, com esse estrabismo mental atrelado às exigências de prazos e calendários, muitas coisas ficam para trás, e espero um dia aceitar com menos peso essa condição. Colocar em prática, sem tanta culpa ou pesar, que, não, não podemos dar conta de tudo. Mas, estamos aqui, nos 8 anos de uma jornada que nunca me pareceu impossível, e que, apesar dos pesares, sempre se mostrou com uma naturalidade imensa, como se eu tivesse chegado ao lugar em que sempre estive. Tenho consciência desse imenso privilégio.
9 de outubro de 2013 foi o nosso début, o evento de lançamento do nosso primeiro livro! Um dia que começou como outro qualquer: acordei cedo para mais uma jornada na editora em que eu trabalhava na época, cumpri as minhas 8 horas diárias e, após o expediente, segui para a Quixote Livraria, Editora e Café (parceira querida desde o início, onde aconteceram quase todos os lançamentos da Relicário em Belo Horizonte), onde aconteceria, às 19h, o lançamento. “Personagens conceituais: filosofia e arte em Deleuze”, do amigo Fernando Torres Pacheco. Me lembro de estar ansiosa com esse início e, ao mesmo tempo, totalmente encaixada, convicta, livre de qualquer “síndrome de impostora”. Sim, era aquilo. Sim, estava acontecendo. E, desde então, muitos livros: no primeiro ano, livros de Estética e filosofia da arte (não por acaso, minha formação) e teoria e crítica literária. No segundo ano, nossa primeira tradução literária, e, nos anos seguintes, uma abertura maior aos gêneros e possibilidades editoriais, embora, é claro, dentro de um escopo bem delineado. Teoria, ensaio, romance e poesia. Alguns inclassificáveis, híbridos. Nacionais e internacionais. Daqui e de lá.
Editar é minha forma de narrar
Desde o início, eu sabia e desejava que a Relicário fosse esse espaço de trânsito entre a crítica e a literatura, entre o pensamento filosófico/analítico e o fazer criativo, com um catálogo preocupado em pensar os fenômenos do mundo e também em dar espaço para a criação livre e desvairada de novos [mundos]. É preciso ancorar e compreender, mas também é preciso voar e ousar imaginar. E, nesses 8 anos e 113 livros publicados, alguns prêmios e reconhecimentos, milhares de leitores e um time de autoras/es queridas/os, consigo me orgulhar desse percurso e repetir novamente o que eu disse ao jornalista Carlos Marcelo, do Estado de Minas, quando ele foi à Casa Relicário nas vésperas de sua abertura e quando tínhamos 6 anos: “Editar é minha forma de narrar”. Quando disse isso, me espantei com a verdade dessa afirmação, algo que me veio como uma epifania ao final da entrevista, já quase me despedindo dele, em pé na porta da casa. Uma ideia que depois encontrei de forma parecida, com muita surpresa, no livro “A marca do editor”, do escritor e editor Roberto Calasso, da ilustre editora italiana Adelphi, em que ele fala da “edição como gênero literário”, ou seja, um editor é também um autor que escreve uma história com os livros que publica em seu catálogo. Um editor é aquele que escreve a “autobiografia” da própria editora. Sim, dois anos após essa constatação, reitero: “editar é minha forma de narrar”.
Mesmo com alguns erros cometidos pelo caminho, alguns tropeços, alguns poucos sins que deveriam ter sido nãos, outros poucos nãos que deveriam ter sido sins, como em toda biografia viva e dinâmica que se preze (pois uma editora é feita por humanos, e não algoritmos, faros que podem ser falíveis, e não certezas absolutas), continuo a trabalhar com a mesma convicção de sempre, acreditando nas linhas traçadas por essa história editorial que vamos escrevendo e que não prevejo fim, mas muito ao contrário: o gesto de editar se firmou por aqui quase como uma obsessão, uma missão, algo de que não posso mais escapar. Sinto que se tornou um vício querer ofertar belezas e provocações em forma de palavras ao mundo. Não há nada mais gratificante do que acompanhar os livros chegando aos seus leitores, ver pessoas sentindo uma alegria genuína ao saber que em breve terão tal livro em suas mãos, ao saber que suas autoras e seus autores preferidos estarão aportando, em breve, na terra firme do nosso catálogo. Como já disse algumas vezes por aí, acho que muitos de nós editores somos um pouco loucos (ou maníacos suaves, como disse Drummond a respeito dos tipógrafos). E muito dessa loucura é sustentada pelo calor da recepção dos livros, por presenciar a paixão de quem vibra do outro lado e agarra com fervor o que lançamos. Pois lançar um livro é muito mais do que publicar um livro. Vejo esse gesto quase como um movimento dinâmico amparado pelas leis da física: lançar um livro é projetar, jogar à frente para que alguém agarre esse projétil, esse projeto, esse objeto complexo. E enquanto houver esse amor correspondido, quem agarre nossos projéteis-livros à frente, estaremos aqui.
A alegria de uma equipe
Mas eu dizia um pouco acima sobre uma história editorial que “vamos escrevendo”. Sim, “vamos”, pois nada disso é realizado solitariamente. No início, talvez um pouco mais, pela falta de recursos, pela necessidade de realizar economias, pelo tempo que ainda consegue ser dividido em várias funções. Por muitos anos, realmente foi assim: eu fazia os contratos com os autores, eu fazia a produção editorial dos livros (encaminhando e acompanhando todas as etapas de revisão, diagramação, arte e registros), a revisão final de provas, o encaminhamento para a impressão, o envio de releases para veículos de comunicação, os contatos e envio dos lançamentos para as várias livrarias (algo que sempre fiz questão desde o início da editora), as notas fiscais de consignação, acertos e vendas, os pacotes para clientes que compravam pelo site, viagens para lançamentos e feiras com malas pesadíssimas cheias de livros. Quantas vezes os braços doendo de tanto carregar caixas pra lá e pra cá. É verdade, devo admitir sem falsa modéstia: fora a revisão, a diagramação e a arte, tudo sempre fui eu. Algo que hoje considero uma loucura, mas que também foi o que permitiu um crescimento saudável, sem saldos negativos, sem atropelos financeiros (talvez um pouco da minha saúde, devo dizer).
Mas, hoje, tenho a alegria de dizer que, sim, existe uma Equipe Relicário, com pessoas queridas, competentes, bem-humoradas, leves, que dividem comigo as alegrias e os percalços desse trabalho, que sempre digo que envolve passado, presente e futuro: os livros que já foram publicados, mas pelos quais devemos continuar trabalhando para que sigam ativos e circulando; os livros que estão em produção e que exigem de nós toda atenção para que cheguem perfeitos aos leitores; e os projetos futuros, que nos exigem pesquisa, avaliação e que, existencialmente, funcionam como uma espécie de gatilho de esperança. De que continuaremos aqui. De que nosso presente se desdobrará em um porvir.
Mas volto à Equipe Relicário, que é a materialidade, o motor e o corpo do nosso próprio trabalho, para além das minhas divagações que podem durar muito: primeiro veio o Patrick Amorim para a área comercial. Estudante de Letras e livreiro da Scriptum por muitos anos, ele entrou como estagiário há 2 anos e meio, e há quase um ano foi contratado como CLT (senti uma alegria imensa quando assinei sua carteira, quando percebi que a Relicário já tinha condições de assegurar direitos e de firmar uma relação trabalhista mais duradoura e benéfica para todas as partes). Ele é quem cuida das relações comerciais da editora, faz as notas fiscais, cuida dos pacotes para livrarias e clientes, mantém a relação com as transportadoras, com os correios, responde e-mails gratos e desaforados. E rimos um bocado de certas coisas com o nosso humor um tanto ferino!
Em seguida, há exatamente um ano, veio a Michelle Strzoda, com sua experiência gigantesca em várias frentes do mercado editorial (que tem formação em jornalismo, em Letras, já foi editora da Record, da Tinta Negra, da Babilonia e de vários outros projetos) e que assumiu por aqui a função de comunicação, projetos especiais e relacionamentos da editora (de onde vocês acham que estão surgindo tantos cursos, parcerias com livrarias, clubes de leitura, blog, lives e repercussões de nossos lançamentos? Talvez pelo Instagram seja possível acompanhar melhor, pois por aqui não consigo postar nem a metade!). A Michelle trouxe uma assertividade carioca à nossa comunicação originalmente mineira e desconfiada! Uma complementação essencial e eloquente de que tanto precisávamos!
Em seguida, em fevereiro, veio a Márcia Romano, o meu braço direito editorial que me desafogou do que já estava começando a acumular nas minhas costas e a atrasar vários processos por aqui: uma assistente editorial com o olhar mais afiado para o texto que já vi! Com formação em jornalismo, passagem pela editora da UFMG, mestrado no curso de edição do CEFET-MG, por aqui ela foi a pessoa encarregada principalmente pela revisão de provas, pelo fechamento dos livros com seus paratextos, pelos registros e pela comunicação final com os autores. Como pude viver tanto tempo sem alguém assumir essa função ao meu lado? O lado triste é que a Márcia foi dar prosseguimento à sua carreira acadêmica e acabou de se despedir de nós. Mas, em seu lugar, entrou agora o Thiago Landi, meu novo assistente, com uma formação super consistente em Letras/Edição pela UFMG e uma larga experiência prática.
E, obviamente, os nomes que estiveram comigo desde o começo, os famosos freela-fixos, quase sempre amigos e amores, as pessoas de confiança nas funções específicas da editoração dos livros: primeiro a Ana C. Bahia, que é literalmente a cara da Relicário. O primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, a maioria dos nossos livros contam com sua assinatura no design e sempre que recebo um elogio para a editora, muitas vezes ele é voltado para esse aspecto: o cuidado gráfico, a elegância das capas, a estética impecável. Tudo culpa dela! E nessa turma do design também preciso agradecer e celebrar Caroline Gischewski (também responsável por várias das belas capas da editora), Paula Albuquerque (pela beleza imensa dos livros da nossa tão amada Coleção Nos.Otras) e Tamires Mazzo, que chegou agorinha com um projeto de nova identidade para as nossas redes sociais e com a identidade da Coleção Marguerite Duras, cujo primeiro livro “Escrever”, acabou de chegar e está causando!
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E que venham, pois, mais 8, mais 8 e mais 8 anos, girando a roda dessa biblioteca infinita que está contida como desejo, origem e fim em cada livro publicado!
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