“GOSTARIA QUE ESSES ENSAIOS DEVOLVESSEM A SEUS AUTORES, EM FORMA DE HOMENAGEM, ALGO DO PRAZER POÉTICO, LITERÁRIO OU INTELECTUAL QUE ME PROPORCIONARAM.”
Convidada Laura Erber
Entrevista por Michelle Strzoda
Como explica a autora, os textos críticos reunidos em Pequenos fogos: Leituras são “exercícios de aproximação da literatura em suas diversas formas, gêneros e propostas. O que os une talvez seja o desejo de escutar e acolher esse objeto inquieto que não para de se transformar enquanto é lido, por isso de difícil captação, mesmo quando estudado com método e diligência”.
Com a participação de um time de convidados, Laura está realizando nesta semana os primeiros eventos de lançamento do livro no Rio e em São Paulo. Conheça mais sobre o livro nesta entrevista com Laura Erber.
Relicário: Sua obra sempre nos provoca de novas maneiras, estamos muito curiosos para imergir neste novo livro. A memória e a percepção do tempo são temas recorrentes em seu trabalho. Pequenos fogos: Leituras também explora essas dimensões? Há uma busca por resgate ou reinvenção, ou os ensaios se detêm mais no presente incandescente desses “fogos”?
Laura Erber: Creio que o conjunto de ensaios que compõem o livro seja movido pelo presente incandescente do encontro com os textos e livros ali tratados. Mas o tempo talvez apareça como fator importante para a reflexão sobre esses autores, sobretudo nos ensaios sobre Alejandra Pizarnik, que falam de uma experiência de leitura labiríntica e até certo ponto vertiginosa. Nesses ensaios tentei ler a leitura. Isso talvez se aplique ao ensaio sobre Ghérasim Luca, um texto compacto, em que persigo tanto suas estratégias poéticas quanto a relação entre elas e sua ética de vida, como apátrida vivendo na França sem nacionalidade por décadas. Quando escrevo sobre literatura (ou arte) tento mostrar que o olhar analítico não exclui o contato fascinado ou irritado pelos textos, nem pelos rastros, vestígios ou marcas do viver presentes em sua escrita. Mas isso precisa ser feito de forma cuidadosa, sem reduzir ao mero fato biográfico ou anedótico. Convivi por um bom tempo com todos esses autores e textos (re)lendo, mudando de posição ou de embocadura crítica. Como se pode notar, o estilo dos ensaios é bastante diverso.
Relicário: Pequenos fogos: Leituras marca seu retorno à Relicário. Poderia nos contar o processo de escrita deste livro e o que o diferencia de seus trabalhos anteriores? Houve um ponto de partida específico, ou imagem inaugural que deu origem a esses “pequenos fogos”?
LE: A imagem inaugural vem do poema de Pizarnik na epígrafe do livro. A ideia das coisas pequenas, mas de alta voltagem poética ou estética me ocupa constantemente, sobretudo num ambiente de criação que induz a uma pretensão épica ou a gestos megalômanos, marcados por certo narcisismo, dos quais o meio literário também depende para se manter aceso. Esses ensaios foram escritos ao longo de vários anos, em circunstâncias e momentos distintos e com propósitos diversos — alguns durante o meu mestrado. A maior parte deles emergiu no contexto de pesquisa universitária, já outros foram retrabalhados num formato mais livre, para diferentes espaços de difusão. Talvez por isso tenha sido tão difícil preparar o livro. Agradeço à equipe da Relicário — o estilo, a estrutura e mesmo a forma como utilizo (ou não) citações falam da minha trajetória um pouco desorganizada como pesquisadora. A forma e o estilo da escrita crítica me interessam. Também por isso criei a Zazie Edições, que coloca no centro de interesse a forma-ensaio ou o gênero ensaio.
Relicário: Seu trabalho transita entre a literatura, as artes visuais e o pensamento teórico. Como essa interdisciplinaridade se manifesta em Pequenos fogos: Leituras? Há elementos visuais ou conceituais que guiaram a construção da sua narrativa?
LE: Certamente, esse interesse se manifesta nas pesquisas sobre Michaux e sobre Luca, que mantiveram uma produção visual ou artística para além da estritamente literária, mas sempre em diálogo com a escrita. O pensamento teórico é, para mim, também um pequeno fogo. No caso dos ensaios sobre literatura, procuro destacar os conceitos e questões teóricas a partir dessa leitura intensiva, evitando aplicar a teoria de forma externa ao fenômeno literário. Mas a minha leitura de Pizarnik também acabou se desdobrando em trabalhos visuais e videoinstalações, que entendo como estratégias de reflexão, ou mesmo como formas de leitura. Nem sempre ler um autor termina no ato de leitura como o entendemos de forma convencional.
“Quando escrevo sobre literatura (ou arte) tento mostrar que o olhar analítico não exclui o contato fascinado ou irritado pelos textos, nem pelos rastros, vestígios ou marcas do viver presentes em sua escrita.”
Relicário: O título Pequenos fogos: Leituras evoca sentidos e percepções: faíscas de ideias, inícios de combustão, sinais luminosos – ou, como descreveu o crítico e professor Italo Moriconi no texto de orelha, “cintilações ensaísticas”. Qual a sua intenção ao escolher essa expressão para intitular o livro? Que tipo de “chamas” você espera que o livro possa acender nos leitores?
LE: Essa expressão, para mim, diz respeito à literatura como um objeto quente. Mesmo quando falamos de um(a) autor(a) minimalista ou considerado(a) “frio(a)”, a leitura é um gesto que produz energia, seja ela poética, crítica, teórica ou afetiva. Num mundo cultural cada vez mais cínico e superficial, é saudável valorizar textos que realmente mexem conosco — e não apenas no sentido de criar um laço de identificação, pois esse é um reducionismo do objeto literário. Aquilo que nos afeta não é necessariamente aquilo com o que nos identificamos como sujeitos. Não é preciso se reconhecer numa narrativa ou poema para ser impacto por ela.
Relicário: E para quem se prepara para ler Pequenos fogos: Leituras, o que você espera que as pessoas levem consigo após a leitura? Que sensações, questionamentos ou reflexões você imagina (ou gostaria) que permanecessem acesas?
LE: Colocar a leitura no centro da experiência do literário. E isso não significa excluir o contexto cultural ou histórico, mas valorizar aquilo que apenas a literatura consegue realizar quando confrontada ou comparada com outras formas textuais e criativas. Espero que minhas e meus leitores desfrutem das propostas de leitura aí oferecidas.
Laura Erber (Rio de Janeiro, 1979) é escritora, editora e pesquisadora. Entre suas publicações, destacam-se Mesa de inspecção do açúcar e tabaco (não edições, 2018), As palavras trocadas (Âyiné, 2023) e o romance Esquilos de Pavlov (Alfaguara, 2013). Em 2020 lançou a coletânea de ensaios sobre arte e visualidade, O artista improdutivo (Ayiné). Pela Relicário lançou o livro de poemas A Retornada (2017) e traduziu, com Sergio Flaksman, Falas curtas (2022) da canadense Anne Carson. Coordena as cooperações internacionais e o programa de pós-doutorado do International Institute for Asian Studies, IIAS, com sede em Leiden, na Holanda, onde vive. É cofundadora da Zazie Edições.
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COLUNA GABINETE DE CURIOSIDADES
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Como explica a autora, os textos críticos reunidos em Pequenos fogos: Leituras são “exercícios de aproximação da literatura em suas diversas formas, gêneros e propostas. O que os une talvez seja o desejo de escutar e acolher esse objeto inquieto que não para de se transformar enquanto é lido, por isso de difícil captação, mesmo quando estudado com método e diligência”.
Com a participação de um time de convidados, Laura está realizando nesta semana os primeiros eventos de lançamento do livro no Rio e em São Paulo. Conheça mais sobre o livro nesta entrevista com Laura Erber.
Relicário: Sua obra sempre nos provoca de novas maneiras, estamos muito curiosos para imergir neste novo livro. A memória e a percepção do tempo são temas recorrentes em seu trabalho. Pequenos fogos: Leituras também explora essas dimensões? Há uma busca por resgate ou reinvenção, ou os ensaios se detêm mais no presente incandescente desses “fogos”?
Laura Erber: Creio que o conjunto de ensaios que compõem o livro seja movido pelo presente incandescente do encontro com os textos e livros ali tratados. Mas o tempo talvez apareça como fator importante para a reflexão sobre esses autores, sobretudo nos ensaios sobre Alejandra Pizarnik, que falam de uma experiência de leitura labiríntica e até certo ponto vertiginosa. Nesses ensaios tentei ler a leitura. Isso talvez se aplique ao ensaio sobre Ghérasim Luca, um texto compacto, em que persigo tanto suas estratégias poéticas quanto a relação entre elas e sua ética de vida, como apátrida vivendo na França sem nacionalidade por décadas. Quando escrevo sobre literatura (ou arte) tento mostrar que o olhar analítico não exclui o contato fascinado ou irritado pelos textos, nem pelos rastros, vestígios ou marcas do viver presentes em sua escrita. Mas isso precisa ser feito de forma cuidadosa, sem reduzir ao mero fato biográfico ou anedótico. Convivi por um bom tempo com todos esses autores e textos (re)lendo, mudando de posição ou de embocadura crítica. Como se pode notar, o estilo dos ensaios é bastante diverso.
Relicário: Pequenos fogos: Leituras marca seu retorno à Relicário. Poderia nos contar o processo de escrita deste livro e o que o diferencia de seus trabalhos anteriores? Houve um ponto de partida específico, ou imagem inaugural que deu origem a esses “pequenos fogos”?
LE: A imagem inaugural vem do poema de Pizarnik na epígrafe do livro. A ideia das coisas pequenas, mas de alta voltagem poética ou estética me ocupa constantemente, sobretudo num ambiente de criação que induz a uma pretensão épica ou a gestos megalômanos, marcados por certo narcisismo, dos quais o meio literário também depende para se manter aceso. Esses ensaios foram escritos ao longo de vários anos, em circunstâncias e momentos distintos e com propósitos diversos — alguns durante o meu mestrado. A maior parte deles emergiu no contexto de pesquisa universitária, já outros foram retrabalhados num formato mais livre, para diferentes espaços de difusão. Talvez por isso tenha sido tão difícil preparar o livro. Agradeço à equipe da Relicário — o estilo, a estrutura e mesmo a forma como utilizo (ou não) citações falam da minha trajetória um pouco desorganizada como pesquisadora. A forma e o estilo da escrita crítica me interessam. Também por isso criei a Zazie Edições, que coloca no centro de interesse a forma-ensaio ou o gênero ensaio.
Relicário: Seu trabalho transita entre a literatura, as artes visuais e o pensamento teórico. Como essa interdisciplinaridade se manifesta em Pequenos fogos: Leituras? Há elementos visuais ou conceituais que guiaram a construção da sua narrativa?
LE: Certamente, esse interesse se manifesta nas pesquisas sobre Michaux e sobre Luca, que mantiveram uma produção visual ou artística para além da estritamente literária, mas sempre em diálogo com a escrita. O pensamento teórico é, para mim, também um pequeno fogo. No caso dos ensaios sobre literatura, procuro destacar os conceitos e questões teóricas a partir dessa leitura intensiva, evitando aplicar a teoria de forma externa ao fenômeno literário. Mas a minha leitura de Pizarnik também acabou se desdobrando em trabalhos visuais e videoinstalações, que entendo como estratégias de reflexão, ou mesmo como formas de leitura. Nem sempre ler um autor termina no ato de leitura como o entendemos de forma convencional.
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Relicário: O título Pequenos fogos: Leituras evoca sentidos e percepções: faíscas de ideias, inícios de combustão, sinais luminosos – ou, como descreveu o crítico e professor Italo Moriconi no texto de orelha, “cintilações ensaísticas”. Qual a sua intenção ao escolher essa expressão para intitular o livro? Que tipo de “chamas” você espera que o livro possa acender nos leitores?
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Conheça o livro Pequenos fogos: Leituras, de Laura Erber.
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