Em seu novo livro, o professor e pesquisador Victor Hermann apresenta uma percepção de catástrofe e de que modo a literatura e as artes visuais catalisam sua elaboração. Hermann traça uma cartografia da Zona Cinza em seus acidentes, metáforas e catástrofes.
Muita gente sabe do risco de catástrofe ou até mesmo foi agredida por ela, mas conscientizar-se da sua condição de vítima já é politizar a catástrofe. Às vezes se angustia com as notícias. Até as estuda, discute, compartilha. As pessoas protestam, mas no fundo acreditam que a catástrofe é culpa dos políticos, das empresas, da elite, e a única solução é o despertar da humanidade. Encaram o risco de catástrofe à meia distância: a guerra dispara a inflação, a pandemia precariza o trabalho, o terrorismo e a violência limitam sua mobilidade, o aquecimento global afeta sua produtividade, a crise econômica destrói sua poupança, os algoritmos drenam sua criatividade…
Com paratexto de Guilherme Wisnik, Zona cinza é dedicado a quem vive em suspenso entre o que sabe da catástrofe e o que mobiliza a seguir no risco: a classe média.
Live de lançamento
O evento acontecerá no Canal da Livraria Baleia no YouTube e terá a participação de Andityas Matos (escritor e professor da UFMG), com mediação de Nanni Rios (jornalista, produtora cultural e curadora da Baleia).
Programe-se: 🗓️ 25/11, segunda, às 19h
YT da Livraria Baleia
Transmissão ao vivoaqui.
***
SOMOS TODOS HIPÓCRITAS DIANTE DO AQUECIMENTO GLOBAL?
Por Victor Hermann
Em uma série de artigos recentes, a jornalista e ativista climática Eliane Brum denuncia o negacionista sincero. Ao contrário do negacionista estratégico, que contesta o aquecimento global por cálculo em benefício próprio, como a turma de Bolsonaro, o negacionista sincero é “aquele que não sabe que o é”.
Lula, por exemplo. Embora defenda a justiça climática, segue promovendo a exploração de petróleo na Amazônia. Por isso, vem sendo criticado por Gustavo Petro: “[Os governos de] direita têm um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”.
Inteligente, progressista, o negacionista sincero defende a ciência, denuncia a crise climática – mas segue vivendo como se a ameaça não fosse iminente, letal. Ele foi tomado pela inércia. Como sair dela? “Se sua casa está queimando, o que você faz, nem que seja por seus filhos e netos, que já nasceram em um planeta pior e serão adultos em um planeta muito pior? Você age” — alerta Brum. “Siga seus instintos”. Busque aliados, fiscalize a política, defenda a ciência, denuncie o projeto de destruição da elite.
Todavia, isso pode não ser suficiente diante da absurda desigualdade de poder atual. Seria necessário que “a maior parte da humanidade” se rebelasse contra os 1% que nos tratam como “gado humano”. Até lá, Brum recomenda ao menos adotar “mudanças radicais de consumo dentro de casa, porque é por dentro que se começa” — como optar por veículos elétricos e evitar “churrascos de boi da Amazônia”.
Mas quem define esse limite? Qual é o ascetismo viável? O operário que financia um carro velho e poluente para economizar tempo no trânsito é um negacionista sincero? E a ONG ambiental que instala ar-condicionado para aliviar a rotina exaustiva de seus funcionários? Ou o vegetariano que, de repente, sente vontade de comer um farto espetinho de boi?
E assim continuaremos nos acusando, até que todos sejam tachados de negacionistas sinceros — o que significa, na prática, que ninguém o é. Em O Alienista, Machado de Assis já expôs o perigo dos conceitos morais com lastro científico. Eles tendem a rotular todos como desviantes, até que o próprio cientista, tocado pela dúvida derradeira, se perceba como o verdadeiro desvio, absolvendo a todos.
Nesse sentido, podemos contribuir para a discussão acelerando sua tendência. Além do negacionista sincero, não existiria também o lobista sincero?
Refiro-me a cientistas, escritores e pesquisadores progressistas — como este que vos escreve — cuja renda, reputação e autoridade estão diretamente ligadas à denúncia da catástrofe. Sem enfrentar grandes contradições no cotidiano, tendemos a aderir a uma visão maniqueísta. Adoramos falar de grandes escolhas morais. Pois as nossas condições de vida nos inclinam à postura benevolente que Tom Zé resumiu: “Quero civilizar o capitalismo selvagem / Quero trazer a luz pra toda ignorância / Como bem-feitora — não desejo o mal / Assim como não quis o velho amigo Cabral”.
Nós, que fizemos da denúncia da catástrofe uma profissão, somos os que correm maior risco de nos tornarmos lobistas sinceros. Claro, fiz uma brincadeira — que, aliás, Eliane Brum não merece, pois seu trabalho é essencial no combate ao aquecimento global. Ainda assim, nós também devemos ser provocados. Ao insistirmos em escolhas morais, acabamos, sem querer, reforçando a ideia de que o capitalismo tolera a tomada de responsabilidades, seja do consumidor, do empresário ou do governante.
O capitalismo produz a catástrofe de maneira rotineira. A vasta maioria de nós contribui de forma indireta, tediosa e acrítica. Raramente enfrentamos situações dramáticas que nos permitam demonstrar integridade intelectual ou resistência moral. Na verdade, o sistema opera como zona cinza, de modo a escapar de qualquer manifestação ativa de interesse, afeto ou crítica. Como?
No meu livro Zona Cinza: A classe média no meio da catástrofe, examinei a troca de e-mails entre os engenheiros da Vale e da TÜV SÜD dias antes do rompimento da barragem de Brumadinho. Todos sabiam do risco e estavam aflitos. Ainda assim, não imaginaram outra forma de reagir senão fazendo bem o seu trabalho.
Talvez sejam exemplos de negacionistas sinceros — ou seriam negacionistas estratégicos? Mas aqui a questão moral é secundária. O verdadeiro desafio é entender como o capitalismo reduziu o risco de catástrofe a uma questão de “fazer o que se pode”, de “fazer bem” o próprio trabalho.
Como mostro no livro, não é simples concluir que os engenheiros foram apenas irresponsáveis, o que implicaria um comportamento inconstante e arriscado. Na verdade, cada um fez o que pôde – confiando que a responsabilidade individual havia sido transferida para o sistema. O nome disso é desresponsabilidade, que gera um tipo especial de obediência: faça bem o seu trabalho e confie no sistema. Ele resolverá tudo. E, se algo der errado, você não será culpado.
A desresponsabilidade fomenta, na prática, o que Ulrich Beck, em A sociedade de risco, chama de “jogo de mico preto”: um cenário em que todos podem correr riscos sem serem diretamente responsabilizados. Quem é o culpado pelo uso de agrotóxicos? O agronegócio, lógico! Seus advogados raramente se dão ao trabalho de nos responder, mas já sabemos o que diriam: estão apenas cumprindo a lei e atendendo à demanda do mercado. Então, seriam os políticos os culpados? Eles dirão que estão preocupados com a renda e a competitividade do país, e seguiram as recomendações dos cientistas. Logo, é a ciência? “Que absurdo!”, protestarão. “Não temos culpa se nossas invenções e recomendações são distorcidas em nome da competição e do consumo.” E nós, que comemos, votamos ou trabalhamos nas fazendas? Seríamos os verdadeiros culpados? Mas nós também protestamos: temos fome e precisamos de emprego…
Assim, a busca por um culpado segue girando em falso, sem que ninguém seja diretamente responsabilizado. A hiperdivisão do trabalho faz com que todos sejam, ao mesmo tempo, causa e efeito da catástrofe. Soma-se a isso uma legislação que protege o direito à livre-iniciativa — que, na prática, significa o direito de ser irresponsável. Nesse contexto, a desresponsabilidade se torna um instrumento sutil de coerção. Paradoxalmente, quanto mais você se importa com a catástrofe, mais responsável se torna. Obedeça, e o sistema assume a culpa; reaja, e você será o único penalizado. E, se o risco for superado e nada acontecer, você ainda será punido – mas, desta vez, por ter hesitado diante do progresso.
Essa é a fonte da nossa má consciência, a percepção de que, no capitalismo, somos todos negacionistas, cúmplices conscientes. Ainda assim, não encontramos outro modo de reagir além de “fazer o que se pode”, enquanto alimentamos o sonho de uma humanidade redimida, com força divina capaz de derrubar o sistema.
Mas, se a culpa é do sistema, logo, a solução também é. Por isso, sempre que discutimos escolhas morais sem enfrentar o problema da desresponsabilidade, acabamos reconduzidos à única responsabilidade que o capitalismo tolera: a escolha do que consumir.
Escrevi Zona Cinza: A Classe Média no Meio da Catástrofe para aqueles que vivem em suspenso diante do contraste estarrecedor entre o que sabemos e o que nos mobiliza. Escrevi para aqueles que se sentem sufocados pela zona cinza, mas que já não encontram algum alívio em apontar dedos.
Victor Hermann é doutor em Literatura pela UFMG e pesquisador independente, especializado em inovação e catástrofe. Escreve em: @blogzonacinza.
OLHOS NOS OLHOS por Adriana Lisboa Nestes tempos de isolamento social, muitas pessoas respondem, quando indagadas a respeito do que mais sentem falta: do abraço. Claro, negacionistas nunca deixaram de se abraçar a torto e a direito. Para os demais, porém, após mais de um ano de videoconferências, lives, aulas virtuais e reuniões familiares …
NABOS, COMPUTADORES E MARACÁS por Adriana Lisboa O apanhador de nabos Mostra o caminho Com um nabo – Kobayashi Issa (1763-1826) O que poderão a literatura e a arte no nosso mundo, hoje? Como é que elas podem ser “por nós”? Cortázar dizia ser a literatura uma das formas da felicidade humana. Para …
OS HÉRCULES DE PINDORAMA por Rafael Freitas da Silva Hércules Ganhar uma medalha olímpica é ser um herói, simplesmente isso. Gosto da antiga lenda grega que associa a criação dos Jogos Olímpicos à figura de Hércules quando da execução de seus 12 trabalhos impossíveis. Após completá-los com sua força descomunal, rapidez e astúcia sem …
2020, O ANO QUE NÃO COMEÇOU Por Elisa Ventura e Nélida Capela Em seu mais recente livro publicado no Brasil, Um mundo sem livros e sem livrarias?, Roger Chartier, a propósito do tema “livrarias”, diz que “é mais necessário do que nunca recordar a importância fundamental das livrarias no tecido das instituições que constituem o …
COLUNA LIVRE
ZONA CINZA
Em seu novo livro, o professor e pesquisador Victor Hermann apresenta uma percepção de catástrofe e de que modo a literatura e as artes visuais catalisam sua elaboração. Hermann traça uma cartografia da Zona Cinza em seus acidentes, metáforas e catástrofes.
Muita gente sabe do risco de catástrofe ou até mesmo foi agredida por ela, mas conscientizar-se da sua condição de vítima já é politizar a catástrofe. Às vezes se angustia com as notícias. Até as estuda, discute, compartilha. As pessoas protestam, mas no fundo acreditam que a catástrofe é culpa dos políticos, das empresas, da elite, e a única solução é o despertar da humanidade. Encaram o risco de catástrofe à meia distância: a guerra dispara a inflação, a pandemia precariza o trabalho, o terrorismo e a violência limitam sua mobilidade, o aquecimento global afeta sua produtividade, a crise econômica destrói sua poupança, os algoritmos drenam sua criatividade…
Com paratexto de Guilherme Wisnik, Zona cinza é dedicado a quem vive em suspenso entre o que sabe da catástrofe e o que mobiliza a seguir no risco: a classe média.
Live de lançamento
O evento acontecerá no Canal da Livraria Baleia no YouTube e terá a participação de Andityas Matos (escritor e professor da UFMG), com mediação de Nanni Rios (jornalista, produtora cultural e curadora da Baleia).
Programe-se:
🗓️ 25/11, segunda, às 19h
YT da Livraria Baleia
Transmissão ao vivo aqui.
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SOMOS TODOS HIPÓCRITAS DIANTE DO AQUECIMENTO GLOBAL?
Por Victor Hermann
Em uma série de artigos recentes, a jornalista e ativista climática Eliane Brum denuncia o negacionista sincero. Ao contrário do negacionista estratégico, que contesta o aquecimento global por cálculo em benefício próprio, como a turma de Bolsonaro, o negacionista sincero é “aquele que não sabe que o é”.
Lula, por exemplo. Embora defenda a justiça climática, segue promovendo a exploração de petróleo na Amazônia. Por isso, vem sendo criticado por Gustavo Petro: “[Os governos de] direita têm um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”.
Inteligente, progressista, o negacionista sincero defende a ciência, denuncia a crise climática – mas segue vivendo como se a ameaça não fosse iminente, letal. Ele foi tomado pela inércia. Como sair dela? “Se sua casa está queimando, o que você faz, nem que seja por seus filhos e netos, que já nasceram em um planeta pior e serão adultos em um planeta muito pior? Você age” — alerta Brum. “Siga seus instintos”. Busque aliados, fiscalize a política, defenda a ciência, denuncie o projeto de destruição da elite.
Todavia, isso pode não ser suficiente diante da absurda desigualdade de poder atual. Seria necessário que “a maior parte da humanidade” se rebelasse contra os 1% que nos tratam como “gado humano”. Até lá, Brum recomenda ao menos adotar “mudanças radicais de consumo dentro de casa, porque é por dentro que se começa” — como optar por veículos elétricos e evitar “churrascos de boi da Amazônia”.
Mas quem define esse limite? Qual é o ascetismo viável? O operário que financia um carro velho e poluente para economizar tempo no trânsito é um negacionista sincero? E a ONG ambiental que instala ar-condicionado para aliviar a rotina exaustiva de seus funcionários? Ou o vegetariano que, de repente, sente vontade de comer um farto espetinho de boi?
E assim continuaremos nos acusando, até que todos sejam tachados de negacionistas sinceros — o que significa, na prática, que ninguém o é. Em O Alienista, Machado de Assis já expôs o perigo dos conceitos morais com lastro científico. Eles tendem a rotular todos como desviantes, até que o próprio cientista, tocado pela dúvida derradeira, se perceba como o verdadeiro desvio, absolvendo a todos.
Nesse sentido, podemos contribuir para a discussão acelerando sua tendência. Além do negacionista sincero, não existiria também o lobista sincero?
Refiro-me a cientistas, escritores e pesquisadores progressistas — como este que vos escreve — cuja renda, reputação e autoridade estão diretamente ligadas à denúncia da catástrofe. Sem enfrentar grandes contradições no cotidiano, tendemos a aderir a uma visão maniqueísta. Adoramos falar de grandes escolhas morais. Pois as nossas condições de vida nos inclinam à postura benevolente que Tom Zé resumiu: “Quero civilizar o capitalismo selvagem / Quero trazer a luz pra toda ignorância / Como bem-feitora — não desejo o mal / Assim como não quis o velho amigo Cabral”.
Nós, que fizemos da denúncia da catástrofe uma profissão, somos os que correm maior risco de nos tornarmos lobistas sinceros. Claro, fiz uma brincadeira — que, aliás, Eliane Brum não merece, pois seu trabalho é essencial no combate ao aquecimento global. Ainda assim, nós também devemos ser provocados. Ao insistirmos em escolhas morais, acabamos, sem querer, reforçando a ideia de que o capitalismo tolera a tomada de responsabilidades, seja do consumidor, do empresário ou do governante.
O capitalismo produz a catástrofe de maneira rotineira. A vasta maioria de nós contribui de forma indireta, tediosa e acrítica. Raramente enfrentamos situações dramáticas que nos permitam demonstrar integridade intelectual ou resistência moral. Na verdade, o sistema opera como zona cinza, de modo a escapar de qualquer manifestação ativa de interesse, afeto ou crítica. Como?
No meu livro Zona Cinza: A classe média no meio da catástrofe, examinei a troca de e-mails entre os engenheiros da Vale e da TÜV SÜD dias antes do rompimento da barragem de Brumadinho. Todos sabiam do risco e estavam aflitos. Ainda assim, não imaginaram outra forma de reagir senão fazendo bem o seu trabalho.
Talvez sejam exemplos de negacionistas sinceros — ou seriam negacionistas estratégicos? Mas aqui a questão moral é secundária. O verdadeiro desafio é entender como o capitalismo reduziu o risco de catástrofe a uma questão de “fazer o que se pode”, de “fazer bem” o próprio trabalho.
Como mostro no livro, não é simples concluir que os engenheiros foram apenas irresponsáveis, o que implicaria um comportamento inconstante e arriscado. Na verdade, cada um fez o que pôde – confiando que a responsabilidade individual havia sido transferida para o sistema. O nome disso é desresponsabilidade, que gera um tipo especial de obediência: faça bem o seu trabalho e confie no sistema. Ele resolverá tudo. E, se algo der errado, você não será culpado.
A desresponsabilidade fomenta, na prática, o que Ulrich Beck, em A sociedade de risco, chama de “jogo de mico preto”: um cenário em que todos podem correr riscos sem serem diretamente responsabilizados. Quem é o culpado pelo uso de agrotóxicos? O agronegócio, lógico! Seus advogados raramente se dão ao trabalho de nos responder, mas já sabemos o que diriam: estão apenas cumprindo a lei e atendendo à demanda do mercado. Então, seriam os políticos os culpados? Eles dirão que estão preocupados com a renda e a competitividade do país, e seguiram as recomendações dos cientistas. Logo, é a ciência? “Que absurdo!”, protestarão. “Não temos culpa se nossas invenções e recomendações são distorcidas em nome da competição e do consumo.” E nós, que comemos, votamos ou trabalhamos nas fazendas? Seríamos os verdadeiros culpados? Mas nós também protestamos: temos fome e precisamos de emprego…
Assim, a busca por um culpado segue girando em falso, sem que ninguém seja diretamente responsabilizado. A hiperdivisão do trabalho faz com que todos sejam, ao mesmo tempo, causa e efeito da catástrofe. Soma-se a isso uma legislação que protege o direito à livre-iniciativa — que, na prática, significa o direito de ser irresponsável. Nesse contexto, a desresponsabilidade se torna um instrumento sutil de coerção. Paradoxalmente, quanto mais você se importa com a catástrofe, mais responsável se torna. Obedeça, e o sistema assume a culpa; reaja, e você será o único penalizado. E, se o risco for superado e nada acontecer, você ainda será punido – mas, desta vez, por ter hesitado diante do progresso.
Essa é a fonte da nossa má consciência, a percepção de que, no capitalismo, somos todos negacionistas, cúmplices conscientes. Ainda assim, não encontramos outro modo de reagir além de “fazer o que se pode”, enquanto alimentamos o sonho de uma humanidade redimida, com força divina capaz de derrubar o sistema.
Mas, se a culpa é do sistema, logo, a solução também é. Por isso, sempre que discutimos escolhas morais sem enfrentar o problema da desresponsabilidade, acabamos reconduzidos à única responsabilidade que o capitalismo tolera: a escolha do que consumir.
Escrevi Zona Cinza: A Classe Média no Meio da Catástrofe para aqueles que vivem em suspenso diante do contraste estarrecedor entre o que sabemos e o que nos mobiliza. Escrevi para aqueles que se sentem sufocados pela zona cinza, mas que já não encontram algum alívio em apontar dedos.
Victor Hermann é doutor em Literatura pela UFMG e pesquisador independente, especializado em inovação e catástrofe. Escreve em: @blogzonacinza.
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