Em seu mais recente livro publicado no Brasil, Um mundo sem livros e sem livrarias?, Roger Chartier, a propósito do tema “livrarias”, diz que “é mais necessário do que nunca recordar a importância fundamental das livrarias no tecido das instituições que constituem o espaço público. E também convencer os poderes públicos e os compradores de livros de que são suas decisões que podem evitar a tristeza de um mundo sem livrarias”. A partir desses dois pontos de Chartier, desenvolvemos reflexões sobre qual a importância das livrarias no contexto social e seus desdobramentos.
Além de ser um comércio, o que mantém a existência de uma livraria é promover o encontro entre livros e leitores. Para isso, deve sempre estar atenta aos acontecimentos do seu tempo e conectada à sua comunidade, aos desejos do leitor. A livraria tem um papel crucial no mercado editorial, pois ainda é o elo que mais comunica com o público sobre o objeto-produto livro. Ela deve, portanto, inovar constantemente, criar estratégias na formação de leitores, promover debates e ser espaço de acolhimento e diálogo.
Como todos os anos, o planejamento da Blooks Livraria para 2020 foi o de avançar nos projetos de formação de leitores e visibilidade dos eixos que costuma trabalhar. Na pauta: ciclos e eventos literários com início em março, um festival de literatura entre abril e maio para Niterói, reuniões para fortalecimento de parcerias com editoras e autores. De uma hora para a outra, projetos adiados, sem nenhuma previsão de restabelecimento. Até aquele momento, a Blooks sempre enfatizou eventos com interação presencial, utilizando suas lojas ou parceria com outros locais. Tudo cancelado.
Grão em grão
Elisa Ventura – proprietária da Blooks Livraria
As indagações, dúvidas e incertezas eram tremendas – não só no nosso ramo. Como sobreviver e como não se distanciar do público em meio a um isolamento social severo? O momento exigia um recomeço atrás do outro. Era preciso recobrar energia, foco, cuidar de cada um, nos fortalecer, aprender a nos unir fisicamente separados – livros são feitos, manuseados, entregues por pessoas. Nesse negócio, o contato, o tato, o relacionamento são essenciais.
A loja virtual da Blooks até ali operava como vitrine das publicações independentes. Com o fechamento de todas as seis lojas físicas, em 24 horas o nosso e-commerce passou por uma mudança radical, acomodando o máximo de acervo possível, dentro das limitações da plataforma. O público acompanhou a mudança, nos acolheu. Obtivemos apoio de leitores, amigos e colaboradores – essas pessoas foram fundamentais para ajudar a manter a loja virtual em funcionamento e seguirmos com a operação.
Em meio a tantas ofertas de lives nas redes sociais, a Blooks optou por realizar algumas pontuais, em parceria com editoras, envolvendo lançamentos de livros. Utilizamos o Medium como ferramenta de comunicação, publicando conteúdo inédito em ações com editoras, autores e pensadores que fazem parte de nossa rede. Indicações de livros para leitura e reflexão sobre o período da pandemia e isolamento social eram constantes.
Nesse período de sete meses com seis lojas fechadas e os boletos chegando, fizemos entregas com pedidos via WhatsApp, atendendo localidades em geral não contempladas por outras livrarias. Chegamos num ponto em que, de novo, a saída, foi reativar ainda mais pelas redes. E aí, a Blooks, que desde o início trabalhou com o conceito de nicho, de redes (uma de nossas expertises no presencial), expandiu numa velocidade e sem chance reunião de planejamento – foi no braço, mas também na base do afeto, no apoio via hashtags, no compartilhamento. Lançamos a campanha de crowdfunding.
#BlooksResiste
Nélida Capela – livreira e curadora da Blooks Livraria
Campanha de arrecadação de fundos via internet não é das tarefas mais simples de se realizar. Ainda mais em meio a uma pandemia batendo recordes de pessoas perdendo parentes, empregos, com o país em meio a um caos político-econômico-sanitário afetando a tudo e a todos. Mas a Blooks tece redes, é uma de nossas forças. Mobilizamos cerca de setecentos benfeitores que adquiriram recompensas atualizadas dia após dia. Uma das editoras parceiras, a Reformatório, do Marcelo Nocelli, ofereceu como recompensa a Antologia 2020, o ano que não começou – contos, crônicas e poesias. Marcelo teve a sensibilidade de propor aos benfeitores da campanha #BlooksResiste o meio para escrever sobre esse período tormentoso. O título da apresentação: “2020, o ano que não começou, e o prefácio que não existiu”. Para a Blooks, realmente foi o ano que não começou e o ano que mais resistimos e re-existimos, em coletivo e com os livros. Um aprendizado diário.
Foi preciso mobilizar exaustivamente. Escolas, editoras, parceiros, eventos literários. Essa mobilização segue em curso e daqui para frente só deverá se fortalecer. Criar rede, conectar está em nosso DNA. Estar próximo dos leitores, em prol de condições justas, pelo acesso democrático ao livro, para ter oportunidade reflexão e diálogo com a sociedade.
Como bem analisa Chartier, no curso da História, as livrarias fazem parte do tecido social, elas existem para reunir pessoas, debater ideias. E as pessoas gostam disso, mas mesmo com a reabertura e as precauções, vivemos uma nova realidade, em que dificilmente haverá eventos e encontros de grande porte. Nosso trabalho de rede e conexão continua, seja presencial seja remotamente, oferecendo livros e atendimento de qualidade.
Algumas livrarias sucumbiram no tortuoso caminho de 2020, muitos sonhos interrompidos. Se não houver leitores interessados em conexões em torno do livro, se não houver quem os compre, não haverá mais histórias a compartilhar, a contar, a dialogar. Sem a organização do setor, consequentemente sem políticas públicas que nos fortaleçam, será impraticável manter o negócio do livro.
Elisa Ventura foi sócia, junto com Heloísa Buarque de Hollanda, da Aeroplano editora, e participou da criação da Festa Literária das Periferias (Flup). Em 2008 inaugurou a Blooks Livraria, no Rio de Janeiro, hoje com lojas também em Niterói e São Paulo.
Nélida Capela, mestra em Teoria Literária pela PUC-Rio, é livreira e curadora da Blooks Livraria.
PESSOAS CONTIDAS COMO ESTAS Por Maria Rita Drummond Viana Nota prévia: Este texto contém spoilers, tanto paro livro Pequena coisas como estas, de Claire Keegan, para o qual escrevi a orelha e fiz a revisão técnica junto à Relicário, quanto para o filme homônimo, ao qual assisti a convite da própria editora e da O2Play …
ROUPA, MEMÓRIA por Ana Elisa Ribeiro Era uma blusa de frio com listas azuis e marrons. Lembro que tinha um toque meio seco, mas era de lã ou coisa parecida, aquecia bem, e eu só a usava entre junho e julho, no inverno de Belo Horizonte. Em agosto já parecia demais. Na foto, eu …
SEMENTE, POESIA, LIVRO por Ana Elisa Ribeiro Desde bem criança achei que livros fossem objetos interessantes. Não tive dúvidas de que não davam em árvores nem achei que caíam do céu. De alguma maneira, o que eu ainda não percebia bem é que eles eram feitos por pessoas e chegavam às livrarias ou às …
GUANABARA EM FESTA por Rafael Freitas da Silva Este mês vamos celebrar aqui na Pindorama nossa ancestralidade “festeira” tupinambá. Exímios dançarinos, cantores e músicos, os tupis da Guanabara foram exaltados como verdadeiros artistas por diversos cronistas quinhentistas portugueses. Seus cantos, modos de dançar e hinos foram anotados pelos franceses, testemunhas de muitos de seus …
COLUNA LIVRE
2020, O ANO QUE NÃO COMEÇOU
Por Elisa Ventura e Nélida Capela
Em seu mais recente livro publicado no Brasil, Um mundo sem livros e sem livrarias?, Roger Chartier, a propósito do tema “livrarias”, diz que “é mais necessário do que nunca recordar a importância fundamental das livrarias no tecido das instituições que constituem o espaço público. E também convencer os poderes públicos e os compradores de livros de que são suas decisões que podem evitar a tristeza de um mundo sem livrarias”. A partir desses dois pontos de Chartier, desenvolvemos reflexões sobre qual a importância das livrarias no contexto social e seus desdobramentos.
Além de ser um comércio, o que mantém a existência de uma livraria é promover o encontro entre livros e leitores. Para isso, deve sempre estar atenta aos acontecimentos do seu tempo e conectada à sua comunidade, aos desejos do leitor. A livraria tem um papel crucial no mercado editorial, pois ainda é o elo que mais comunica com o público sobre o objeto-produto livro. Ela deve, portanto, inovar constantemente, criar estratégias na formação de leitores, promover debates e ser espaço de acolhimento e diálogo.
Como todos os anos, o planejamento da Blooks Livraria para 2020 foi o de avançar nos projetos de formação de leitores e visibilidade dos eixos que costuma trabalhar. Na pauta: ciclos e eventos literários com início em março, um festival de literatura entre abril e maio para Niterói, reuniões para fortalecimento de parcerias com editoras e autores. De uma hora para a outra, projetos adiados, sem nenhuma previsão de restabelecimento. Até aquele momento, a Blooks sempre enfatizou eventos com interação presencial, utilizando suas lojas ou parceria com outros locais. Tudo cancelado.
Grão em grão
Elisa Ventura – proprietária da Blooks Livraria
As indagações, dúvidas e incertezas eram tremendas – não só no nosso ramo. Como sobreviver e como não se distanciar do público em meio a um isolamento social severo? O momento exigia um recomeço atrás do outro. Era preciso recobrar energia, foco, cuidar de cada um, nos fortalecer, aprender a nos unir fisicamente separados – livros são feitos, manuseados, entregues por pessoas. Nesse negócio, o contato, o tato, o relacionamento são essenciais.
A loja virtual da Blooks até ali operava como vitrine das publicações independentes. Com o fechamento de todas as seis lojas físicas, em 24 horas o nosso e-commerce passou por uma mudança radical, acomodando o máximo de acervo possível, dentro das limitações da plataforma. O público acompanhou a mudança, nos acolheu. Obtivemos apoio de leitores, amigos e colaboradores – essas pessoas foram fundamentais para ajudar a manter a loja virtual em funcionamento e seguirmos com a operação.
Em meio a tantas ofertas de lives nas redes sociais, a Blooks optou por realizar algumas pontuais, em parceria com editoras, envolvendo lançamentos de livros. Utilizamos o Medium como ferramenta de comunicação, publicando conteúdo inédito em ações com editoras, autores e pensadores que fazem parte de nossa rede. Indicações de livros para leitura e reflexão sobre o período da pandemia e isolamento social eram constantes.
Nesse período de sete meses com seis lojas fechadas e os boletos chegando, fizemos entregas com pedidos via WhatsApp, atendendo localidades em geral não contempladas por outras livrarias. Chegamos num ponto em que, de novo, a saída, foi reativar ainda mais pelas redes. E aí, a Blooks, que desde o início trabalhou com o conceito de nicho, de redes (uma de nossas expertises no presencial), expandiu numa velocidade e sem chance reunião de planejamento – foi no braço, mas também na base do afeto, no apoio via hashtags, no compartilhamento. Lançamos a campanha de crowdfunding.
#BlooksResiste
Nélida Capela – livreira e curadora da Blooks Livraria
Campanha de arrecadação de fundos via internet não é das tarefas mais simples de se realizar. Ainda mais em meio a uma pandemia batendo recordes de pessoas perdendo parentes, empregos, com o país em meio a um caos político-econômico-sanitário afetando a tudo e a todos. Mas a Blooks tece redes, é uma de nossas forças. Mobilizamos cerca de setecentos benfeitores que adquiriram recompensas atualizadas dia após dia. Uma das editoras parceiras, a Reformatório, do Marcelo Nocelli, ofereceu como recompensa a Antologia 2020, o ano que não começou – contos, crônicas e poesias. Marcelo teve a sensibilidade de propor aos benfeitores da campanha #BlooksResiste o meio para escrever sobre esse período tormentoso. O título da apresentação: “2020, o ano que não começou, e o prefácio que não existiu”. Para a Blooks, realmente foi o ano que não começou e o ano que mais resistimos e re-existimos, em coletivo e com os livros. Um aprendizado diário.
Foi preciso mobilizar exaustivamente. Escolas, editoras, parceiros, eventos literários. Essa mobilização segue em curso e daqui para frente só deverá se fortalecer. Criar rede, conectar está em nosso DNA. Estar próximo dos leitores, em prol de condições justas, pelo acesso democrático ao livro, para ter oportunidade reflexão e diálogo com a sociedade.
Como bem analisa Chartier, no curso da História, as livrarias fazem parte do tecido social, elas existem para reunir pessoas, debater ideias. E as pessoas gostam disso, mas mesmo com a reabertura e as precauções, vivemos uma nova realidade, em que dificilmente haverá eventos e encontros de grande porte. Nosso trabalho de rede e conexão continua, seja presencial seja remotamente, oferecendo livros e atendimento de qualidade.
Algumas livrarias sucumbiram no tortuoso caminho de 2020, muitos sonhos interrompidos. Se não houver leitores interessados em conexões em torno do livro, se não houver quem os compre, não haverá mais histórias a compartilhar, a contar, a dialogar. Sem a organização do setor, consequentemente sem políticas públicas que nos fortaleçam, será impraticável manter o negócio do livro.
Elisa Ventura foi sócia, junto com Heloísa Buarque de Hollanda, da Aeroplano editora, e participou da criação da Festa Literária das Periferias (Flup). Em 2008 inaugurou a Blooks Livraria, no Rio de Janeiro, hoje com lojas também em Niterói e São Paulo.
Nélida Capela, mestra em Teoria Literária pela PUC-Rio, é livreira e curadora da Blooks Livraria.
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COLUNA MARCA PÁGINA
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