por Adalberto Ribeiro, o Beto, da Livraria Simples
Janeiro de 2016. O corre Simples de vender livros já estava valendo. Avisei para geral: abri uma livraria, se precisar de algum livro pode contar comigo que vai ser bem Simples. Eu tinha poucos reais no bolso, mas sabia que era capaz de vender livros. A livraria então só existia na minha cabeça e na necessidade de comprar pão, água, margarina Qualy com sal, moradias e a ração do Kazu. Sem me ligar, aprendi com a literatura a construir livrarias suntuosas sem papel aparente.
Simples é o contrário do fácil, me falou um desses conhecidos. Total, pensei. A ver a engrenagem: Tania me perguntava por um livro, se eu tinha na minha loja virtual – a mais virtual de todas –, quanto custava e quando eu poderia entregar. Eu procurava quem tinha e qual a condição de compra para revenda, negociava o melhor desconto possível, na base do princípio, jamais da barganha porque barganha é truque capitalista que corrói num país tão desigual. Prezada Tania, tenho sim, o preço é tal e o prazo de entrega é tal. Nossa, que caro! Nova rodada de negociação com base em princípios. Vou querer! Enviava o pedido para o fornecedor, retirava, de bike melhorava a margem, das vantagens de estar perto do principal eixo de distribuição de livros do país. Pronto! Mais um livro vendido de quarenta e três reais, com margem de trinta por cento, doze e noventa com a bike, quatro e oitenta sem ela.
Questão de princípio
A livraria virtual sem site contava com um livreiro que se empenhava há quase 20 anos em saber o nome do ônibus que passava na Savassi sem morar em Belo Horizonte, quero dizer que eu sabia – ou me empenhava em sabê-lo – qual o percurso do livro, da gráfica até a loja do shopping, passando por distribuidores, representantes e atravessadores. Um trunfo que, somado à suntuosa livraria virtual, tornava o caminho, mesmo que estreito, possível. E foi numa mão dessas que, em meados de 2016, me pediram Antiga Musa – arqueologia da ficção, da Relicário, livro de capa sóbria e tema interessante. Hesíodo e Homero na poética grega, que editora massa! Falei com a Maíra Nassif, ali ou pouco tempo depois ela confiou e confia seus livros aqui com a gente na base da palavra e é um prazer danado fazer parte do percurso desses livros que ela edita, com gosto aparente, até as pessoas, feito ponte mesmo, sabe?
Ainda em 2016, chegaram os dois Felipes: meu sócio, o Felipe Roth Faya, com alguns livros da sua biblioteca pessoal que junto aos meus formaram o acervo inicial da livraria, mil livros num endereço agora com papel, rua dos Bancários, 72 Moóca; Felipe Beirigo chegou com seu axé em 15 de dezembro. Éramos três maquininhas humanas de comprar e vender livros desde a sala da minha casa na Moóca, com estantes de tijolos e tábuas. A gente denomina esse tempo como “época do barraco de pau”.
O ano de 2017 foi louco. Vesti minha camisa listrada e fui para a Bienal do Livro contar da minha livraria suntuosa aos editores da velha guarda para ver se conseguia alguma consignação, mas logrei muito pouco. Apesar das demonstrações de cansaço, Saraiva e Cultura ainda tinham mais força no imaginário das pessoas do que uma livraria suntuosa numa rua sem saída na Moóca. E mais: com sua imaginação criadora e limitada pela ganância, a loja do Jeff Bezos já distribuía suas notas e conquistava os corações dos mais fracos de espírito pelos corredores da Bienal e nadava de braçada rumo ao “melhor lugar do mundo para comprar e vender livros”. A gente vivia no limite do possível, vendendo livros para comprar a janta. Foi um ano difícil, cansativo.
A casa
Em 2018 surgiu a oportunidade de mudar de endereço, para a casa da avó do Felipe, meu sócio, que ia ficar vazia, mais próxima do centro e da avenida Paulista. Em maio começamos a mudança – uns sete mil livros e alguns móveis, tudo transportado num Fusca e num Corsa. O limite do meu cheque especial chegou no limite e o Paulão, um amigo muito especial, fez um empréstimo para cobrir o rombo. Depois mais outro empréstimo para bancar as instalações do novo espaço, na base do amor e na confiança que vem do amor nesse caso. No final de 2018, as coisas já estavam boas e ficaram ainda melhores com a chegada da Aline Tieme e todo seu afeto e conhecimento a serviço dos livros e das pessoas.
Naquela altura, 2019 prometia ser bom. E cumpriu: foi um ano maravilhoso, a livraria passou a existir nas cabeças e corações dos nossos vizinhos queridos da Bela Vista que nos queriam muito também. Uma livraria de bairro, com café fresco, afeto e acervo cada vez mais diverso. Aquele ano foi especial para consolidar e construir essa ideia.
Começamos 2020 nesse astral, respirando mais forte com a chegada do jovem Paulo (Paulinho, para a gente), um menino prodígio de 19 anos com muita disposição em aprender e ensinar sobre a vida, os livros e a literatura. Mas a pandemia entrou de sola e mexeu com tudo e com todos. Seguramos o rojão graças ao querer recíproco entre nós e os nossos, aquele mesmo sentimento sedimentado em 2019. No fundo é esse querer que mantém nossa sanidade mental, sob esse governo genocida. O ano de 2020 serviu para a chegada da Larissa e também para nos metermos em outros dois projetos promissores: a Casa Suja e o Instituto Simples, convivência e livros para gerar cultura nas margens da cidade, mas isso é tema para outro momento e, quem sabe, uma nova coluna.
Vamos nessa, 2021!
Adalberto Ribeiro, o Beto, nasceu em 1981. Estudou Letras e Teatro. Desde 1998 trabalha no varejo de livros, com passagem pelas livrarias Loyola, Cultura e a pequena Haicai, já extinta. Fundou a Livraria Simples em 2016.
Para ter acessos às páginas iniciais, ao sumário e às apresentações de Ricardo Domeneck e Guilherme Gontijo Flores para o livro “Batendo pasto”, de Maria Lúcia Alvim, clique aqui. Para comprar o livro, clique aqui.
QUEM LIGA? por Ana Elisa Ribeiro Abri o Facebook e aquela enxurrada vertical de postagens e links começou a rolar. Li então um conhecido, poeta, perguntar como lidar com a situação de pessoas queridas que não valorizam em nada o que a gente produz. Ele não era explícito, não dizia qual exatamente era a …
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COLUNA LIVRE
SIMPLES É O CONTRÁRIO DO FÁCIL
por Adalberto Ribeiro, o Beto, da Livraria Simples
Janeiro de 2016. O corre Simples de vender livros já estava valendo. Avisei para geral: abri uma livraria, se precisar de algum livro pode contar comigo que vai ser bem Simples. Eu tinha poucos reais no bolso, mas sabia que era capaz de vender livros. A livraria então só existia na minha cabeça e na necessidade de comprar pão, água, margarina Qualy com sal, moradias e a ração do Kazu. Sem me ligar, aprendi com a literatura a construir livrarias suntuosas sem papel aparente.
Simples é o contrário do fácil, me falou um desses conhecidos. Total, pensei. A ver a engrenagem: Tania me perguntava por um livro, se eu tinha na minha loja virtual – a mais virtual de todas –, quanto custava e quando eu poderia entregar. Eu procurava quem tinha e qual a condição de compra para revenda, negociava o melhor desconto possível, na base do princípio, jamais da barganha porque barganha é truque capitalista que corrói num país tão desigual. Prezada Tania, tenho sim, o preço é tal e o prazo de entrega é tal. Nossa, que caro! Nova rodada de negociação com base em princípios. Vou querer! Enviava o pedido para o fornecedor, retirava, de bike melhorava a margem, das vantagens de estar perto do principal eixo de distribuição de livros do país. Pronto! Mais um livro vendido de quarenta e três reais, com margem de trinta por cento, doze e noventa com a bike, quatro e oitenta sem ela.
Questão de princípio
A livraria virtual sem site contava com um livreiro que se empenhava há quase 20 anos em saber o nome do ônibus que passava na Savassi sem morar em Belo Horizonte, quero dizer que eu sabia – ou me empenhava em sabê-lo – qual o percurso do livro, da gráfica até a loja do shopping, passando por distribuidores, representantes e atravessadores. Um trunfo que, somado à suntuosa livraria virtual, tornava o caminho, mesmo que estreito, possível. E foi numa mão dessas que, em meados de 2016, me pediram Antiga Musa – arqueologia da ficção, da Relicário, livro de capa sóbria e tema interessante. Hesíodo e Homero na poética grega, que editora massa! Falei com a Maíra Nassif, ali ou pouco tempo depois ela confiou e confia seus livros aqui com a gente na base da palavra e é um prazer danado fazer parte do percurso desses livros que ela edita, com gosto aparente, até as pessoas, feito ponte mesmo, sabe?
Ainda em 2016, chegaram os dois Felipes: meu sócio, o Felipe Roth Faya, com alguns livros da sua biblioteca pessoal que junto aos meus formaram o acervo inicial da livraria, mil livros num endereço agora com papel, rua dos Bancários, 72 Moóca; Felipe Beirigo chegou com seu axé em 15 de dezembro. Éramos três maquininhas humanas de comprar e vender livros desde a sala da minha casa na Moóca, com estantes de tijolos e tábuas. A gente denomina esse tempo como “época do barraco de pau”.
O ano de 2017 foi louco. Vesti minha camisa listrada e fui para a Bienal do Livro contar da minha livraria suntuosa aos editores da velha guarda para ver se conseguia alguma consignação, mas logrei muito pouco. Apesar das demonstrações de cansaço, Saraiva e Cultura ainda tinham mais força no imaginário das pessoas do que uma livraria suntuosa numa rua sem saída na Moóca. E mais: com sua imaginação criadora e limitada pela ganância, a loja do Jeff Bezos já distribuía suas notas e conquistava os corações dos mais fracos de espírito pelos corredores da Bienal e nadava de braçada rumo ao “melhor lugar do mundo para comprar e vender livros”. A gente vivia no limite do possível, vendendo livros para comprar a janta. Foi um ano difícil, cansativo.
A casa
Em 2018 surgiu a oportunidade de mudar de endereço, para a casa da avó do Felipe, meu sócio, que ia ficar vazia, mais próxima do centro e da avenida Paulista. Em maio começamos a mudança – uns sete mil livros e alguns móveis, tudo transportado num Fusca e num Corsa. O limite do meu cheque especial chegou no limite e o Paulão, um amigo muito especial, fez um empréstimo para cobrir o rombo. Depois mais outro empréstimo para bancar as instalações do novo espaço, na base do amor e na confiança que vem do amor nesse caso. No final de 2018, as coisas já estavam boas e ficaram ainda melhores com a chegada da Aline Tieme e todo seu afeto e conhecimento a serviço dos livros e das pessoas.
Naquela altura, 2019 prometia ser bom. E cumpriu: foi um ano maravilhoso, a livraria passou a existir nas cabeças e corações dos nossos vizinhos queridos da Bela Vista que nos queriam muito também. Uma livraria de bairro, com café fresco, afeto e acervo cada vez mais diverso. Aquele ano foi especial para consolidar e construir essa ideia.
Começamos 2020 nesse astral, respirando mais forte com a chegada do jovem Paulo (Paulinho, para a gente), um menino prodígio de 19 anos com muita disposição em aprender e ensinar sobre a vida, os livros e a literatura. Mas a pandemia entrou de sola e mexeu com tudo e com todos. Seguramos o rojão graças ao querer recíproco entre nós e os nossos, aquele mesmo sentimento sedimentado em 2019. No fundo é esse querer que mantém nossa sanidade mental, sob esse governo genocida. O ano de 2020 serviu para a chegada da Larissa e também para nos metermos em outros dois projetos promissores: a Casa Suja e o Instituto Simples, convivência e livros para gerar cultura nas margens da cidade, mas isso é tema para outro momento e, quem sabe, uma nova coluna.
Vamos nessa, 2021!
Adalberto Ribeiro, o Beto, nasceu em 1981. Estudou Letras e Teatro. Desde 1998 trabalha no varejo de livros, com passagem pelas livrarias Loyola, Cultura e a pequena Haicai, já extinta. Fundou a Livraria Simples em 2016.
Um comentário em “COLUNA LIVRE”
Sônia Queiroz
Adorei esse texto!
Beto, antes de ser um livreiro corajoso e amoroso, é um poeta.
Força para a Livraria e o Instituto Simples, e a Casa Suja!
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