NÃO PARA AS VÍTIMAS DA CATÁSTROFE.
Muitos sabem do risco de catástrofe ou até mesmo foram agredidos por ela, mas conscientizar-se da sua condição de vítima é outra coisa, é politizar a catástrofe. Nosso leitor ainda não se convenceu disso. Às vezes se angustia com as notícias. Até as estuda, discute, compartilha. Ele protesta, mas no fundo acredita que, sozinho, pode fazer muito pouco. Por isso, a catástrofe para ele é culpa dos políticos, das empresas, da elite, e a única solução é o despertar da humanidade (através da ciência, ele imagina). A verdade é que nosso leitor encara o risco de catástrofe à meia distância, porque ainda está razoavelmente protegido – embora sinta o cerco se apertando: a guerra dispara a inflação, a pandemia precariza o trabalho, o terrorismo e a violência limitam sua mobilidade, o aquecimento global afeta sua produtividade, a crise econômica destrói sua poupança, os algoritmos drenam sua criatividade… Nosso leitor está deprimido com o futuro, sim, mas segue tentando resolver biograficamente as contradições do capitalismo. Ora se identifica com as vítimas, ora colabora tristemente com o sistema. Flutua, indeciso, na zona cinza. O que mais ele poderia fazer?
Este livro foi escrito para aqueles que vivem em suspenso entre o que sabem da catástrofe e o que os mobiliza a continuar vivendo arriscadamente. Foi escrito para a “classe de meio”, composta majoritariamente pela classe média.