“Sou eu mesmo a matéria de meu livro”, advertia Montaigne na primeira edição dos Ensaios, livro que deu origem ao gênero praticado nestas páginas com a liberdade radical que dele se espera. Assim como o velho Michel, os brasileiros e argentinos que povoam o sumário desta obra são inquietos exploradores da primeira pessoa. Seu encontro resulta num volume que, à semelhança daquele publicado no século XVI, é “composto unicamente de assuntos estranhos, fora do que se vê comumente, formado de pedaços juntados sem caráter definido, sem ordem, sem lógica, e que só se adaptam por acaso uns aos outros”.
Vertebrado portanto pela rigorosa arquitetura do acaso, Experimento aberto demonstra na prática as infinitas possibilidades do ensaio e também ou, sobretudo, do “eu”. O “pronomezinho irritante” abjurado por Graciliano Ramos não se confunde aqui com o metro medíocre de vidas autocentradas. E se constitui em reivindicação de liberdade e invenção num ambiente intelectual entristecido pela obviedade e pelo rigor mortis da academia.
Nestes percursos variados e irredutíveis a categorizações, a voz criativa do crítico se sobrepõe ao jargão. E a escrita desperta do sono interpretativo para, afinada na dúvida, nas hesitações e na digressão, interpelar diretamente o leitor, convocado a se tornar interlocutor. “Ler e escrever”, observa Tamara Kamenszain, “são uma dupla que só pode ser separada quando se levanta a cabeça das páginas alheias para voltar a incliná-las nas próprias”.
É de levantar a cabeça que trata esse livro na deriva entre diários, memórias, relatos de viagem e autobiografia. De um pacto de provocação entre críticos e escritores, escritores e leitores, leitores e críticos, pacto esse já firmado desde o título – que declara a tentativa como método e a incerteza como norte.
PAULO ROBERTO PIRES (texto de orelha)