Se compreendermos o campo jurídico como o conjunto de discursos e práticas que organizam e, em grande medida, forçam nossos modos de viver juntos, então, é urgente interrogá-lo quanto às razões do racismo ainda permanecer presente em nosso ethos. É preciso dizer o óbvio: não haverá ethos democrático enquanto houver racismo – uma das formas insidiosas do fascismo, juntamente com o machismo (fobia e violência às formas de vida não heteronormativas, em especial).
Esta hipótese é posta a trabalho a partir da obra Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. “Diário de uma favelada”, a autora nomeia, explicitando tratar-se de um olhar particular e também de um relato testemunhal do horror cotidiano vivido não apenas por ela, mas por milhões de outras brasileiras e brasileiros situados à margem de seus direitos civis mais básicos. Fundamental ressaltar este ponto: não se trata apenas de habitar o inóspito quarto de despejo; trata-se de sobreviver privado de direitos civis, de condições básicas de vida.
O campo jurídico entra no diálogo como campo que não apenas organiza as narrativas que determinam como devemos viver juntos, mas que também coloca em movimento a própria invenção desses códigos impositivos. Quais ficções jurídicas autorizam o racismo? Quais são fabricadas para impedi-lo e o que impede, do ponto de vista afetivo e político, de efetivá-las? Como se dão as respostas singulares dos operadores do Direito ao racismo?
O(A) leitor(a) encontrará algumas respostas a essas questões, mas também as estratégias de manter viva a crítica que nos auxilia a não naturalizar uma prática social perversa. O convite aqui é para que se sustente o enigma que nos convida a problematizar o racismo, colocá-lo em questão, entender melhor as raízes que o alimentam, para que possamos, finalmente, desconstrui-lo.