Se enveredamos pelos bosques da poesia, encontramos invariavelmente árvores centenárias e imponentes, arbustos estranhos e desafiadores, relvas nobres e vulgares. A exuberância da paisagem é tanta que a um só tempo nos encanta pelo feitiço e nos aborrece pela monotonia – senão quando nela nos deparamos com um espécime raro a nos surpreender com a sua absoluta singularidade. Assim é a poesia de Amir Or, que o leitor brasileiro pode conhecer agora por meio de A paisagem correta, uma amostra da produção poética desse autor que semeia a sua obra, com igual e notável talento, em múltiplas formas de escrita. Os poemas de Or, traduzidos magistralmente do hebraico para nosso idioma por Moacir Amâncio, inauguram um novo território lírico e convidam a nossa sensibilidade para habitá-lo. São por vezes epigramas, por vezes longas reflexões, metafísicos uns, narrativos outros, esse à maneira de prece, aquele uma oferenda, sempre com angulações inesperadas, uma pluralidade de ramas vigorosas nas quais a potência dos pensamentos e a sutileza das emoções se equilibram plenamente. Sua beleza está acima das explicações (“Não ouses/ me compreender”, “Rega-me e não com água, rega-me,/ e não com clara lógica”), mas se aloja nas implicações que a leitura nos causa no íntimo (“Respirar e ser, ansiar, desprender-se –/ dia a dia ensina-me, como uma folha”). A imprevisibilidade das sentenças e as lindas sugestões imagéticas nos mostram que “além da língua a língua é um ferimento/ do qual flui o mundo”. Or nos revela que “o poema é memória, como o sol/ que fica no olho depois de uma olhadela no sol”. Em cada um dos poemas de A paisagem correta, ele nos lembra que “erguemo-nos dia a dia para o trabalho de nossa morte”, mas também que, diante de nossa finitude, devemos também agradecer do modo mais simples, por isso autêntico: “dá-nos hoje a vida de hoje”. Colhemos nas páginas deste livro, pelas palavras de Amir Or, frutos magníficos que só a terra da poesia é capaz de nos conceder.
Do texto de orelha de João Anzanello Carrascoza